Poetismo

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Localização: Barcelos, Minho, Portugal

Apetece-me espetar palavras. Sim, é esse o verbo. Apetece-me espetá-las com fúria só para dizer que escrevo com convicção. Não... Só para dizer que me liberto. Sim, é isso.

quarta-feira, julho 26, 2006

Mudez

Que desgraça, meu Deus!
Tenho a Ilíada à minha frente,
Tenho a memória cheia de poemas,
Tenho os versos que fiz,
E todo o santo dia me rasguei
À procura não sei
De que palavra, síntese ou imagem!
Desço dentro de mim, olho a paisagem,
Analiso o que sou, penso o que vejo,
E sempre o mesmo trágico desejo
De dar outra expressão ao que foi dito!
Sempre a mesma vontade de gritar,
Embora de antemão duvidar
Da exactidão e força desse grito.

Mudo, mesmo se falo, e mudo ainda
Na voz dos outros, todo eu me afogo
Neste mar de silêncio, íntima noite
Sem madrugada.
Silêncio de criança que ficasse
Toda a vida criança
E nunca conseguisse semelhança
Entre o pavor e o pranto que chorasse.

Miguel Torga